No direito brasileiro, a regra geral da responsabilidade civil está atrelada à culpa, salvo quando há previsão expressa de responsabilidade objetiva. No contexto contratual, surge um questionamento relevante: para que haja inadimplemento, é necessária a culpa do devedor, ou a simples violação do contrato já basta para gerar a obrigação de indenizar?
A principal obrigação em um contrato é o cumprimento da prestação assumida. Caso isso não ocorra, surge o dever de reparar eventuais danos, independentemente da existência de culpa. Assim, a responsabilidade do devedor decorre diretamente da inexecução da obrigação, e não de uma avaliação subjetiva sobre sua conduta.
Nessa perspectiva, é importante considerar a aplicação de multas e cláusulas penais nos casos de descumprimento contratual. A cláusula penal tem como objetivo proteger as partes contra o inadimplemento, conforme estabelece o artigo 408 do Código Civil:
“Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que culposamente deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.”
Por outro lado, existem situações em que o devedor pode ser eximido de responsabilidade, especialmente quando o descumprimento ocorre por caso fortuito ou força maior, conforme prevê o artigo 393 do Código Civil:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”
Isso demonstra que a culpa nem sempre é um elemento essencial para caracterizar o inadimplemento. Há circunstâncias em que o descumprimento da obrigação não gera automaticamente o dever de indenizar, sendo fundamental analisar o caso concreto para verificar se se enquadra nas hipóteses do artigo 393.

Outro ponto relevante é a proporcionalidade na exigência de multas e cláusulas penais. Penalidades excessivas podem ser consideradas abusivas e, consequentemente, inválidas, por afrontarem princípios fundamentais como a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. O Código Civil, no artigo 413, permite que o juiz reduza penalidades manifestamente desproporcionais:
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio jurídico.”
Dessa forma, se a cláusula penal se fundamenta apenas no inadimplemento e não na culpa, sua aplicação deve ser analisada com cautela, evitando enriquecimento sem causa por parte do credor.
Além disso, o princípio da função social do contrato, previsto no artigo 421 do Código Civil, limita a liberdade contratual para garantir que os contratos cumpram uma finalidade justa e equilibrada:
“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.”
Com isso, percebe-se que o inadimplemento não deve ser encarado apenas sob uma ótica punitiva, mas sim reparatória. As consequências do descumprimento devem ser analisadas à luz do contrato e da realidade das partes envolvidas, evitando a imposição de sanções desproporcionais ou injustificadas.
Portanto, a aplicação de penalidades contratuais deve ter como fundamento a violação da obrigação assumida, e não a culpa do devedor. Dessa forma, assegura-se que as sanções respeitem os princípios da boa-fé, da função social do contrato e do equilíbrio contratual, garantindo um tratamento mais justo e adequado às partes envolvidas.
Autora: Dra. Daniele Assunção – Advogada Civilista