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Responsabilidade civil e a regulação de tecnologias na Saúde

Inicialmente, é crucial reconhecer a transformação significativa na área da saúde, impulsionada por avanços tecnológicos como inteligência artificial (IA), telemedicina e dispositivos médicos inovadores. Contudo, embora essas tecnologias ofereçam o potencial de aprimorar a qualidade do atendimento, diagnóstico e tratamento, elas também suscitam questões complexas sobre responsabilidade civil e a necessidade de regulamentação.

Nesse sentido, a responsabilidade civil na saúde digital refere-se à responsabilização por danos causados a pacientes devido ao uso de tecnologias. Por exemplo, isso pode incluir erros de diagnóstico por IA, falhas de segurança de dados, mau funcionamento de dispositivos médicos ou informações incorretas fornecidas por aplicativos de saúde.

Ademais, a legislação brasileira, embora não trate especificamente da responsabilidade civil em saúde digital, estabelece princípios gerais que podem ser aplicados. Com efeito, o Código Civil, por exemplo, prevê a responsabilidade por danos decorrentes de atos ilícitos, negligência ou imprudência. Igualmente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais, incluindo dados de saúde, e prevê sanções em caso de descumprimento.

No entanto, no contexto da saúde digital, a determinação da responsabilidade pode ser complexa, envolvendo a análise de diferentes atores, como desenvolvedores de tecnologia, profissionais de saúde, instituições e pacientes. Ademais, a natureza complexa e algorítmica de algumas tecnologias pode dificultar a identificação da causa do dano e a atribuição de responsabilidade.

“A crescente utilização de IA na saúde demanda uma regulação específica que considere riscos e benefícios, estabeleça critérios de qualidade e segurança, e defina responsabilidades por danos.”

Em relação à regulação de tecnologias na saúde, esta é essencial para garantir a segurança dos pacientes, a qualidade dos serviços e a proteção de dados. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é responsável por regulamentar dispositivos médicos, medicamentos e outros produtos relacionados à saúde.

Contudo, a legislação atual pode não ser suficiente para lidar com os desafios específicos da saúde digital, como a necessidade de padrões de segurança de dados, a avaliação da eficácia de algoritmos de IA e a garantia da interoperabilidade entre diferentes sistemas. Nesse contexto, a crescente utilização de IA na saúde exige uma abordagem regulatória específica, que considere os riscos e benefícios da tecnologia, estabeleça critérios de qualidade e segurança, e defina responsabilidades em caso de danos.

Nesse ponto, a proteção de dados na saúde digital é um tema crucial, uma vez que as tecnologias podem coletar e armazenar uma grande quantidade de informações pessoais e sensíveis dos pacientes. Assim, é fundamental garantir que os dados sejam tratados de forma ética e segura, em conformidade com a LGPD e outras normas aplicáveis. Por exemplo, as instituições de saúde devem implementar medidas de segurança robustas para proteger os dados contra acessos não autorizados, perdas ou vazamentos. Além disso, os pacientes devem ter o direito de acessar, retificar ou solicitar a exclusão de seus dados, bem como de consentir ou revogar o uso de suas informações para determinadas finalidades.

Ademais, o desenvolvimento e uso de IA na saúde exigem diretrizes éticas claras, que orientem a atuação de profissionais, empresas e instituições. Nesse sentido, é importante que a IA seja utilizada de forma responsável e transparente, com o objetivo de promover o bem-estar dos pacientes e da sociedade. Por exemplo, os algoritmos de IA devem ser desenvolvidos de forma a evitar vieses e discriminações, e os profissionais de saúde devem ser capacitados para utilizar a IA de forma ética e segura. Outrossim, é fundamental que a IA seja utilizada como uma ferramenta de apoio ao trabalho dos profissionais de saúde, e não como uma substituta da relação médico-paciente.

Diante desse cenário, a interseção entre responsabilidade civil e regulação de tecnologias na saúde apresenta desafios significativos, como a necessidade de adaptar a legislação existente, a complexidade da determinação da responsabilidade em casos envolvendo IA, e a garantia da segurança e privacidade dos dados dos pacientes.

Por fim, superar esses desafios é fundamental para garantir que as tecnologias na saúde sejam utilizadas de forma ética e segura, em benefício dos pacientes e da sociedade. Para tanto, isso requer um diálogo contínuo entre diferentes atores, como profissionais de saúde, desenvolvedores de tecnologia, juristas, reguladores e pacientes.

Em última análise, a crescente utilização de tecnologias na saúde oferece o potencial de transformar a área, mas também levanta questões importantes sobre responsabilidade e regulamentação. Assim, ao abordar esses desafios de forma proativa e colaborativa, podemos garantir que as tecnologias na saúde sejam utilizadas de forma ética e segura, em benefício de todos.

Em suma, a responsabilidade civil e a regulação de tecnologias na saúde são temas complexos e dinâmicos, que exigem uma análise cuidadosa e uma abordagem multidisciplinar. Dessa forma, é fundamental que a legislação e a regulamentação acompanhem a evolução tecnológica, garantindo a segurança dos pacientes, a qualidade dos serviços e a proteção de dados.

Referências:

KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico (Livro Eletrônico). 11ed- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2011.

PEIXOTO, Fabiano Hartmann. Direito e Inteligencia Artificial: referenciais básicos (Livro Eletrônico): com comentários à resolução CNJ 332/2020 – Brasília, DF: Ed do autor: DR.IA, 2020. 

MALDONADO E BLUM. Viviane Nóbrega e Renato Opice. LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados comentada (Livro Eletrônico) – 2 ed.rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

Autora: Dra. Priscila de Melo – Advogada Direito Médico

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